São Paulo | Março 2019
Com mais de 100 expedições na bagagem, já rodei o mundo de barco, bicicleta, moto, riquixá, dromedário e a pé. Mas em novembro de 2010 fui vítima de um grave acidente de motocicleta e nunca havia imaginado que pudesse mudar tanto a minha vida. Naquele ano já havia realizado três viagens muito difíceis, a primeira delas foi a quarta etapa da minha travessia a pé no Saara, onde fui detido pela Frente Polisário quando estava atravessando uma zona proibida no Saara Ocidental. De volta ao Brasil e em menos de trinta dias eu estava embarcando para o Haiti para filmar um documentário para o exército brasileiro, isto aconteceu logo após o terremoto que deixou mais de 200 mil mortos no país. Na sequência segui para o Atacama a fim de documentar em vídeo a viagem de um grupo de motociclistas brasileiros e um deles faleceu num acidente na estrada.
Logo após esta sequência de viagens eu voltei para São Paulo e foi quando eu sofri o acidente. Fraturei 22 ossos que destruiu meu joelho direito, acetábulo, costelas, mandíbula e crânio. Quando acordei numa maca no outro dia no hospital eu já tinha a certeza que estava em “outro plano”, foi quando vi minha amiga Winni ao lado e ela me explicou sobre o acidente, pois não me lembrava de nada. Assim, entendi que estava vivo!! Uma das conclusões que cheguei naquele momento era que meu anjo da guarda estava cansado e esta foi a única forma de me fazer “parar”. Não tive outra saída que não fosse aceitar.
Nos três anos seguintes, após o acidente, fiz mais de mil horas de fisioterapia, três cirurgias e uma parada forçada em São Paulo, principalmente também pela saúde debilitada dos meus pais, que já estavam beirando os 90 anos e precisavam de cuidados. Tudo isto me fez criar raízes na capital paulista, e sendo assim já que era para ficar estacionado em São Paulo resolvi junto com alguns amigos abrir uma produtora de vídeos e animação, a Grama Filmes.
Na minha cabeça seria uma forma de estar em São Paulo cuidando dos meus pais e virar empresário. Meu sonho era ganhar dinheiro para comprar um veleiro e viver no mar.
Sonho meu!! Quatro anos depois enxerguei o quanto é difícil empreender no Brasil. Sai da sociedade na produtora e comecei a adotar a prática do minimalismo, que sempre fez parte da minha vida de viajante.
Em três anos fui vendendo tudo o que havia acumulado, fazendo bazares, doando objetos e me livrando de tudo que me trazia gastos. Carros, motos, conta de celular, tv a cabo, gastos supérfluos, até que tudo que eu tinha coube num espaço de 15m2.
Com o falecimento dos meus pais, em novembro de 2018, eu e minha irmã Regina organizamos todos assuntos burocráticos e jurídicos e voltei para Florianópolis, onde alugo uma casa há mais de 13 anos da família Ross. La é um lugar onde recarrego minhas energias e pratico um dos esportes que entraram na minha vida, a canoa havaiana.
Em Floriánopolis dei um tempo e esperei para ver aonde minha intuição me levaria. E no dia 12 de março de 2019, dia do meu aniversário, um casal de amigos que estava morando no Quirguistão na Asia Central, me convidou para ir visitá-los.
Este era o chamado! Naquela noite não consegui dormir e fiquei matutando de qual forma chegaria no "Fimdomundoquistão". Flashes começaram a vir na minha mente da época que comecei a viajar na juventude, eram viagens sempre realizadas no ímpeto e na maioria das vezes sem planejamento, naquela fase eu simplesmente pegava a mochila e partia.
Na manhã seguinte, abrindo alguns mapas já sentia que seria uma longa jornada para chegar ao Quirguistão e não seria de avião, pois assim seria muito fácil e rápido.
Pensei……pensei……e decidi, vou de moto!!!!
Deste momento em diante não consegui mais parar de pensar e planejar. Com 53 anos, uma coleção de acidentes, um monte de fraturas, peças de titânio e cerâmica pelo meu corpo, estava me sentindo com o mesmo frio na barriga de quando fiz minha primeira viagem de carona, que foi num caminhão do Mato Grosso até São Paulo, isto quando eu tinha 13 anos de idade.
Comecei a pesquisar com qual moto faria a viagem, como iria arrumar dinheiro, qual roteiro, como embarcar a moto entre os continentes e qual seria o propósito da viagem, além de visitar meus amigos.
Vendo um anúncio na internet, descobri que uma empresa indiana de motos, a Royal Enfield, estava lançando um modelo no Brasil e também abrindo um concessionária em São Paulo. Fui lá, marquei o test-drive e em menos de 5 minutos já tinha fechado o negócio.
Minha parceira de duas rodas nesta empreitada será a Royal Enfield modelo Himalayan, de 411 cilindradas.
O roteiro que defini foi mais difícil em relação a informações e burocracias pois talvez esta seja a primeira vez que uma moto emplacada no Brasil fará o percurso até a Ásia via Oceânia. Será um longo trajeto pela América do Sul, Austrália, Timor Leste, Indonésia, Singapura, Tailândia, Laos, China e finalmente o Kyrgyzstan ( Quirguistão)
Em relação ao financiamento desta viagem eu tenho algumas idéias de como captar o dinheiro e uma delas será através colaborações. O propósito, mostrar que tudo é possível!! Só temos que sair da chamada zona de conforto e se jogar neste mundão, que tem tanta coisa bacana para conhecer.
Durante o caminho quero contar histórias de amigos que largaram tudo e foram viver suas vidas de forma alternativa pelo mundo, além dos lugares e personagens que encontrarei pelo caminho. Acredito que precisamos de histórias interessantes como combustível para inspirar novas formas de encarar a vida. Espero que esta viagem seja transformadora para mim tanto quanto para vocês, que estarão na minha GARUPA.